QUAL FOI O TRABALHO REALIZADO PELA CGU?
Linha de Atuação: Relatório de Apuração.
POR QUE A CGU REALIZOU ESSE TRABALHO?
Este trabalho de auditoria decorreu de demanda interna da CGU. As apurações aqui realizadas se somam às análises de contratações em obras públicas no âmbito deste mesmo Município e que foram objeto dos Relatórios 201901121 e 201901139.
Unidade examinada: Prefeitura Municipal de Sítio do Mato/BA.
Escopo: Verificação da legalidade e economicidade das respectivas contratações e pagamentos de honorários.
Referencial Legal: Lei 8.666/93 e jurisprudência correlata.
QUAIS AS CONCLUSÕES ALCANÇADAS PELA CGU?
As contratações de serviços advocatícios realizadas pela Prefeitura de Sítio do Mato e atinentes aos precatórios do FUNDEF foram irregulares, com significativos prejuízos efetivos e potenciais aos recursos do Fundo.
Em 2003, a procuração aos primeiros patronos se deu sem o devido e prévio processo de contratação e sequer houve instrumento contratual. Tais patronos ingressaram com ação de cobrança de honorários, na qual pleiteiam pagamentos da ordem de R$5,1 milhões. Valores que se mostram abusivos, por se referirem a uma única ação judicial, sem complexidade e com fundamentação jurídica copiada de peça elaborada pelo MPF.
Em 2015/2016, houve duas novas contratações, irregulares e desnecessárias. Uma delas ainda se revelou extemporânea, com prejuízo de R$1,3 milhão. Já a segunda, que também não teve processo e contrato, caso não tenha revogada a respectiva procuração, pode trazer prejuízos ao Erário.
A atual gestão informou que irá utilizar este Relatório de Auditoria em sua defesa técnica na ação de cobrança e revogar a atual procuração, oriunda da última contratação irregular.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ACO – Ação Cível Originária ACP – Ação Civil Pública
AGU – Advocacia-Geral da União AI – Agravo de Instrumento
CGU – Controladoria-Geral da União
Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
GT – Grupo de Trabalho
MEC – Ministério da Educação MPF – Ministério Público Federal
MPF-SP – Ministério Público Federal no Estado de São Paulo OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
PGR – Procuradoria-Geral da República RE – Recurso Extraordinário
REsp – Recurso Especial
STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça
TCM-BA – Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia TCU – Tribunal de Contas da União
TRF-1 – Tribunal Regional Federal da 1ª Região VMAA – Valor Médio Anual por Aluno
1. PRECATÓRIOS DO FUNDEF. Contextualização e histórico das diferenças de complementação do VMAA no período 1998-2006.
Esta ação de controle está inserida no âmbito das ações judiciais propostas pelos entes municipais para cobrar da União as diferenças de complementação do FUNDEF no período de 1998 a 2006, que envolvem valores da ordem de R$90 bilhões e que ficaram conhecidas como “precatórios do FUNDEF”.
A tese discutida dizia respeito às diferenças devidas pela União aos demais entes federativos em razão da fixação do Valor Médio Anual por Aluno (VMAA) inferior ao definido pela Lei de criação do Fundo.
Segundo o art. 6º, caput e §1º, da Lei nº 9.424/1996, que já foi revogada pela legislação do FUNDEB,
Art. 6º A União complementará os recursos do Fundo a que se refere o art. 1º sempre que, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.
§ 1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e I. (grifos não originais)
No entanto, após a definição legal do valor absoluto para o primeiro ano, a União passou apenas a atualizá-lo monetariamente, sem observar a regra prescrita pelo citado §1º. Com isso, a partir de 1998, o VMAA ficou menor que o devido, gerando diferenças ou mesmo ausência de repasse a título de complementação, conforme demonstrativos a seguir.
ADMINISTRATIVO. FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO - FUNDEF. VALOR MÍNIMO ANUAL POR ALUNO - VMAA. FIXAÇÃO. CRITÉRIO: MÉDIA NACIONAL.1. Para fins de complementação pela União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental - FUNDEF (art. 60 do ADCT, redação da EC 14/96), o "valor mínimo anual por aluno" (VMAA), de que trata o art. 6º, § 1º da Lei 9.424/96, deve ser calculado levando em conta a média nacional. Precedentes.2. Recurso especial a que se nega provimento. Acórdão sujeito ao regime do art. 543- C do CPC e da Resolução STJ 08/08.
Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em julgamento de 09.06.2011, no âmbito do Recurso Extraordinário - RE nº 636.978 – RG/PI, que essa discussão central da forma de cálculo não tinha repercussão geral, uma vez que a matéria era de índole infraconstitucional, consolidando assim a posição do STJ.
Assim, com a condenação da União, estima-se que o valor total das diferenças de complementação seja de cerca de R$ 90 bilhões.
§ 2º Em decorrência da utilização vinculada à educação, não se admite, a qualquer título, a cessão dos créditos de precatório, nem sua utilização para o pagamento de honorários advocatícios, inclusive na hipótese dos contratos celebrados para propositura e acompanhamento da ação judicial visando obter os respectivos créditos, ressalvadas decisões judiciais em contrário, transitadas em julgado.
Por seu turno, a PGR, os Ministérios Públicos de Contas e dos Estados emitiram a Recomendação Conjunta nº 01/2018, de 15.10.2018, dirigida aos Prefeitos e em relação às ações originárias ou de cumprimento de sentença, no sentido de que:
a) ABSTENHAM-SE de contratar escritório de advocacia para prestação de serviços visando ao recebimento dos valores decorrentes de diferenças do FUNDEF pela subestimação do valor mínimo anual por aluno (VMAA), previsto na Lei do FUNDEF (Lei n.º 9.424/96), por inexigibilidade de licitação, prevendo pagamento dos honorários contratuais com cláusula de risco ou vinculando o pagamento dos honorários contratuais a qualquer percentual dos recursos a serem recebidos a esse título;
b) SUSPENDAM os pagamentos a escritório de advocacia caso tenha sido contratado para tal finalidade com a consequente ANULAÇÃO da relação contratual e ASSUNÇÃO, pela Procuradoria Municipal (ou por quem execute a função) da causa, englobando a atuação extrajudicial e/ou judicial;
c) ADOTEM as medidas judiciais cabíveis para reaver os valores eventualmente pagos indevidamente a tal título.
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. [...]Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente: [...]VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade; [...]Art. 61. Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais.Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação [...]. (grifos não originais)
Ocorre que a outorga da procuração em 2003 aos patronos R. S., A. de O. e J. L. não foi precedida de nenhum desses procedimentos e sequer foi formalizado um termo de contrato, como mesmo admitem os causídicos em sua petição inicial na ação de cobrança (pág 5 ou pdf. 10).
Dada a ausência do devido processo de contratação, nota-se que não ocorreram os necessários atos de caracterização do objeto/serviço, motivação da escolha do prestador, justificativa do preço, pareceres técnicos e jurídicos, publicação na imprensa oficial, etc. Essa necessidade de procedimento prévio é considerada tão relevante que o Legislador ainda tipificou o seu descumprimento no art. 89 da lei nº 8.666/93, que reza:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. (grifos não originais)
Nessa mesma linha, o TCU, em sua Cartilha “Licitações e Contratos – 4ª edição” (pág. 620), destacou o seguinte Acórdão:
A ausência de observação das formalidades inerentes à inexigibilidade de licitação, em desacordo com o art. 26 da Lei nº 8666/1993, caracteriza grave infração à norma legal, ensejando a irregularidade das contas dos responsáveis.” (grifos não originais)- Acórdão 2560/2009 Plenário (Sumário)
Por fim, quanto à conduta das contratados, não se mostra razoável a alegação e desconhecimento dessas normas básicas da administração pública para advogados que atuam junto a entes públicos. Os próprios autores juntaram na ação de cobrança contratos firmados com outros municípios contemporâneos ao início da prestação aqui em Sítio do Mato (anexos da Petição Inicial, pdf. 523-535). Os dados mostram, inclusive, que o patrono J. L. já atuava como procurador municipal e advogado público desde muito antes de 2003.
Na verdade, na medida em que não comunicaram ao Município da irregularidade da contratação sem procedimento prévio ou instrumento contratual em 2003, acabaram por concorrer para que esta se efetivasse.
O STJ tem jurisprudência pacífica no sentido de que “a alegação de nulidade contratual fundamentada na ausência de licitação não exime o dever de a administração pública pagar pelos serviços efetivamente prestados ou pelos prejuízos decorrentes da administração, quando comprovados, ressalvadas as hipóteses de má-fé ou de haver o contratado concorrido para a nulidade”. (grifos não originais)
Diante das evidências coletadas, observa-se que houve afronta às expressas exigências contidas nos artigos 26, 38, 61 e 62 da Lei 8.666/93 indicados acima e vigentes à época. Conclui-se também pela concorrência na prática da irregularidade por parte dos patronos, o que impacta eventual arbitramento de honorários por parte do juiz da ação de cobrança em trâmite na justiça estadual (nº 0003266-11.2014.8.05.0027).
5. Pleito abusivo de honorários advocatícios para patrocínio de uma única ação judicial (R$ 5,1 milhões). Fundamentação jurídica da petição inicial literalmente copiada da tese já formulada pelo MPF.
Considerando a fundamentação e o pedido liminar na ação de cobrança acima especificada e independentemente do valor atribuído à causa por seus Autores, estima-se que o valor sugerido de honorários seja de R$ 5,1 milhões, correspondentes a 20% sobre os valores dos precatórios pagos pela União ao município de Sítio do Mato.
Determina a Lei nº 8666/1993, em seu art. 26, parágrafo único, III, que, caso tivesse havido um processo de inexigibilidade, este deveria ser instruído com a justificativa do preço, visando resguardar o Erário contra preços superfaturados e abusivos, ainda mais por tratar-se de um procedimento sem o crivo da disputa licitatória.
Esse requisito legal da “justificativa do preço” há que ser satisfeito em seu aspecto formal e material. Não basta, portanto, que haja simplesmente uma justificativa qualquer, mas que o preço a ser estipulado/pleiteado, em seu conteúdo, seja razoável e proporcional à prestação do bem ou serviço contratado.
Observa-se, desde logo, que os mais de R$ 5 milhões cobrados pelos patronos para uma única ação judicial nem se mostra razoável nem é proporcional ao serviço executado.
Ademais, e como se detalhará a seguir, a causa de pedir da ação patrocinada pelos autores era idêntica à já formulada pelo MPF-SP, já havia decisão da Justiça Federal nesse sentido e a fundamentação jurídica da petição inicial da ação nº 2003.33.00.030163-0 foi copiada daquele Parquet.
Ao analisar as peças do processo de diferenças do FUNDEF, observa-se que o objeto da ação está circunscrito à discussão sobre a forma de cálculo do valor médio anual por aluno, contida no §1º do art. 6º da Lei nº 9.426/1994. É um debate essencialmente de direito, sobre a mera inteligência do texto legal abaixo transcrito.
§ 1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e I.
Nesse contexto, é fundamental considerar ainda que a causa de pedir desta ação originária de Sítio do Mato era idêntica à já formulada pelo MPF-SP em 1999, no âmbito da Ação Civil Pública nº 1999.61.00.050616-0.
Todo o capítulo “Fixação do Valor Mínimo em Desrespeito à Lei” (págs. 10 a 18) da petição inicial do MPF foi copiado pelos advogados, em seus parágrafos, citações, quadros e expressões, alterando-se apenas algumas poucas palavras para aparentar distinção. Frise-se que tal capítulo trata da questão central do direito discutido.
Ademais, verificou-se o ajuizamento de centenas de ações similares na Bahia, algumas delas pelos próprios advogados aqui postulantes.
À época da proposição de todas essas ações, incluindo a relativa a Sítio do Mato, já havia sido deferida a tutela antecipada da ACP promovida pelo MPF-SP, determinando à União abster- se de definir o valor mínimo anual por aluno em importância inferior àquela resultante dos critérios impostos pelo art. 6º, §1º, da Lei nº 9.424/1996. Isso demonstra que a tese jurídica, mesmo em análise preliminar, já encontrava guarida por parte do Poder Judiciário.
Além disso, o próprio MEC já havia instituído, por meio das Portarias nº 71 e 212/2003, um Grupo de Trabalho - GT “com a finalidade de estudar e apresentar, para 2003, propostas relacionadas à fixação do valor mínimo nacional por aluno/ano do FUNDEF”. Em seu Relatório Final, de 25.03.2003, o citado GT, ao comparar a metodologia de cálculo adotada pelo Ministério da Educação com àquela prevista na Lei nº 9.424/1996, assim se manifestou:
Verifica-se que entre 1998 e 2002, o valor mínimo nacional tomou como base apenas a atualização do valor de R$300,00 inicialmente fixado pela Lei de regulamentação do FUNDEF (...) a correção do valor mínimo repôs apenas o efeito da inflação no período.Nesse período não foram adotados, na definição do valor mínimo do FUNDEF, mecanismos que guardassem vinculação com a relação das variáveis: receita do FUNDEF e nº de alunos do ensino fundamental; prevista na lei como parâmetro a ser observado.
Ou seja, reconhecia-se, desde aqui, que o VMAA apenas vinha sendo corrigido, sem considerar os parâmetros mínimos definidos na norma. Por isso mesmo, concluiu asseverando que:
A fixação do valor mínimo nacional por aluno/ano para 2003, vem sendo realizada sem a integral observância dos critérios que orientam sua definição, tanto no que diz respeito à diferenciação de valores (...), quanto no que se refere à metodologia de cálculo que recomenda a observância do valor médio nacional como limite mínimo. (grifos não originais)
E não foi só. Na verdade, desde 2002 (isto é, mais de um ano antes de os advogados terem proposto a ação do Município), o TCU já havia enfrentado a questão no âmbito do Processo TC nº 014.041/1999-5. Em sessão de 17.07.2002, o Plenário do Tribunal firmou idêntico entendimento (Decisão nº 871/2002):
8.1.3 - Antes de expirado esse prazo [§4º, art. 60, ADCT], permanecia aplicável a fórmula de cálculo do limite inferior do Valor Mínimo Anual por Aluno estabelecida no § 1° do art. 6º da Lei n° 9.424/96, que deve ser entendida como uma média nacional, correspondente à razão entre o somatório das receitas de todos os Fundos e a matrícula total do ensino fundamental público no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas. (grifos não originais)
Dessa forma, não se tem qualquer inovação ou complexidade na causa de pedir da ação patrocinada pelos causídicos a justificar o pleito de honorários contratuais em patamares tão desproporcionais e abusivos. Valores de tabela definidos pela própria OAB não são norma jurídica a vincular gestores nem muito menos Órgãos de Controle, Tribunais de Contas ou Judiciário.
Evidente que há de se valorar os anos de tramitação até a mudança da representação processual em 2015. Isso é legítimo. O que não é legítimo, todavia, é que por tais serviços referentes a uma única causa, copiada da ação anteriormente movida pelo MPF, mais de R$ 5 milhões sejam destinados a um único escritório de advocacia em prejuízo de toda a coletividade de Sítio do Mato, já tão carente de recursos públicos.
No entanto, instada a apresentar o respectivo processo e instrumento de contrato (Solicitações de Auditoria 03 e 04), a Prefeitura apenas enviou os documentos relativos ao segundo escritório (Inexigibilidade 004/2016 e Contrato 174/2016), justificando o seguinte:
“A banca de Dr. C. C. não manteve contrato com o município acerca dos precatórios, entretanto, se há participação a mesma deu-se por intermédio do contrato firmado com a Banca do Escritório *I. R. ADVOGADOS – Obs.: *Processo De Inexigibilidade já enviados anteriormente.”
Como se observa, esta informação não representa a realidade observada na ação judicial, denotando que a atuação dos patronos C. C. e M. C. se deu sem o prévio e devido processo de contratação e instrumento contratual.
Ademais, o processo formalizado para o segundo escritório foi iniciado em 1º.2.2016 e resultou na assinatura do contrato em 1º.4.2016, isto é, após o substabelecimento acima mencionado. Assim, pode-se concluir também que a Inexigibilidade 004/2016 foi irregular e extemporânea, porque formalizada apenas para justificar contratação pretérita, que sequer fora objeto de procuração específica.
E, conforme o art. 49, §§ 2º e 4º da Lei nº 8.666/93, vigente à época, a nulidade da inexigibilidade impõe à do contrato, operando retroativamente sobre todas as cláusulas deste Contrato nº 174/2016.
7. Prejuízo de R$1,3 milhão pela contratação desnecessária da banca de advocacia em 2015/2016. Sobreposição de contratos. Poder- dever da gestão de atribuir a causa aos escritórios de assessoria jurídica já contratados e/ou ao procurador público. Valor pago desproporcional ao serviço prestado.
Por meio do Processo de Pagamento 108, de 20.4.2016, foi pago o montante de R$1.308.061,31 ao escritório I. R. e J. J., a partir de recursos do FUNDEB.
Vale lembrar que a atuação destes patronos se deu por subestabelecimento do escritório anterior que atuou desde dez/2015.
O objeto da prestação jurídica era restrito ao pleito de desvinculação dos valores já creditados pela União à área da educação. No caso, o que houve foi a interposição de agravo de instrumento contra decisão denegatória do juiz singular. Ou seja, a ação já havia transitado em julgado e o valor principal da execução (R$23.884.286,54) já havia sido depositado na conta de titularidade do município desde 3.9.2015.
A Cláusula Primeira do Contrato 174/2016 traz expressamente que a finalidade do avença é “levantar/liberar o crédito depositado e vinculado à Execução n° 2003.33.00030163-0 / 16ª Vara-BA”.
CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETO - Constitui Objeto deste contrato, a Prestação de Serviços Advocatícios na Área de Direito Administrativo Municipal, para propor ações judiciais e/ou medidas administrativas, acompanhamento de execuções fiscais, na propositura de ações ajuizadas em face da União Federal, bem como adotar as medidas administrativas e judiciais com o fito de regularizar pendências no sistema CAUC/SIAFl/CADIN, assim como procedimentos administrativos junto à Receita Federal do Brasil junto a Secretaria Municipal de Administração e Planejamento do Município de Sitio do Mato. (grifos não originais)
O que é relevante nessa questão, para além da sobreposição de objetos, é o fato de que o contrato com S. e M. previa pagamentos mensais e fixos de R$12 mil, num total de R$144.000,00 anuais, independentemente do número de processos envolvidos. Em contratos deste tipo não há pagamento adicional de honorários em razão de êxito, motivo pelo qual o Município evitaria o desembolso de R$1,3 milhão pago a I. R. e J. J. por um único recurso.
Frise-se que este último escritório somente atuou no Agravo de Instrumento - AI e, tão logo comunicada a tutela antecipada ao juiz de origem, sua participação se encerrou no processo. Em 16.3.2016, antes mesmo de assinado o próprio contrato da Prefeitura com o citado escritório, já havia sido nomeado outro patrono para dar sequência ao feito (ação originária, pdf. 101).
Como se vê, a interposição de um AI com o pleito de desvinculação de valores do FUNDEF não se constitui em serviço de natureza complexa ou incomum a justificar o afastamento do escritório mensal já contratado, gerando vultosos pagamentos adicionais e evitáveis. Ao contrário, trata-se de um pleito da rotina da advocacia. Não se pode atribuir a concessão de uma antecipação de tutela a um escritório específico, quando ainda comparado a outros patronos também contratados por notória especialização.
Ao lado da banca S. e M., a municipalidade possuía procurador jurídico nomeado em 2015, ao qual poderia ser atribuída esta demanda pontual em conjunto com aquele escritório. Não houve no parecer jurídico da Inexigibilidade 004/2016 discussão acerca da eventual impossibilidade de usar os meios mais econômicos para a Administração.
A procuração outorgada ao escritório C. C. e M. C. e a anuência à continuação do patrocínio por I. R. e J. J., portanto, oneraram indevidamente o Erário, constituindo-se em ato antieconômico e lesivo ao interesse público, dada a sua desnecessidade. A Administração Municipal tinha o poder-dever de atribuir a demanda ao escritório mensal já contratado, isoladamente ou em conjunto com o procurador jurídico nomeado.
“2) O Dr. H. S. está vinculado ao Escritório I. R. ADVOGADOS, não tendo assim, omunicípio nenhum vínculo contratual com o mesmo.”
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. [...]Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente: [...]VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade; [...]Art. 61. Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais.Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação [...]. (grifos não originais)
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. (grifos não originais)
“A ausência de observação das formalidades inerentes à inexigibilidade de licitação, em desacordo com o art. 26 da Lei nº 8666/1993, caracteriza grave infração à norma legal, ensejando a irregularidade das contas dos responsáveis.” (grifos não originais)- Acórdão 2560/2009 Plenário (Sumário)
“b) SUSPENDAM os pagamentos a escritório de advocacia caso tenha sido contratado para tal finalidade com a consequente ANULAÇÃO da relação contratual e ASSUNÇÃO, pela Procuradoria Municipal (ou por quem execute a função) da causa, englobando a atuação extrajudicial e/ou judicial.”
CONCLUSÃO
As contratações de serviços advocatícios realizadas pela Prefeitura de Sítio do Mato/BA e atinentes aos precatórios do FUNDEF foram irregulares, com significativos prejuízos efetivos e potenciais aos recursos do Fundo.
Em 2003, a procuração aos primeiros patronos se deu sem o devido e prévio processo de contratação e sequer houve instrumento contratual. Tais patronos ingressaram com ação de cobrança de honorários, na qual pleiteiam pagamentos da ordem de R$5,1 milhões. Valores que se mostram abusivos, por se referirem a uma única ação judicial, sem complexidade e com fundamentação jurídica copiada de peça elaborada pelo MPF.
Em 2015/2016, houve duas novas contratações, irregulares e desnecessárias. Uma delas ainda se revelou extemporânea, com prejuízo de R$1,3 milhão. Já a segunda, que também não teve procedimento prévio de contratação e instrumento contratual, caso não tenha revogada a respectiva procuração, pode trazer prejuízos ao Erário.
A atual gestão informou que irá utilizar este Relatório de
Auditoria em sua defesa técnica na ação de cobrança e revogar
a atual procuração, oriunda da última contratação irregular.
ANEXO
I - MANIFESTAÇÃO DA UNIDADE EXAMINADA
E ANÁLISE DA EQUIPE DE AUDITORIA
Achados nº 1, 2 e 3
Manifestação da unidade
examinada
Não se aplica, pois trata-se apenas da contextualização da origem dos precatórios e dos dados das ações judiciais relativas ao Município de Sítio do Mato/BA.
Achados nº 4 e 5
Manifestação da unidade examinada
Por meio do Ofício
115/2022, de 25.8.2022, a Prefeitura Municipal
apresentou a seguinte
manifestação:
“Mesmo não tendo a atual gestão corroborado com o dano ao erário com as contratações por meio
irregular citadas no referido parecer, compete à atual gestão, vez que ainda
passível de mitigação, a busca pelos meios legais
e hábeis de ter tais danos mitigados. É com a busca pela economicidade e mitigação
do impacto que vem a municipalidade informar:
a) quanto ao processo
nº 0003266-11.2014.8.05.0027, com base nos fundamentos elencados em parecer, os quais concluem pela prática da
irregularidade por parte dos referidos
patronos (o que impacta eventual arbitramento de honorários por parte do Juízo na referida ação de cobrança em
trâmite), serão estes remetidos à Procuradoria
Municipal, de modo a serem analisados quando da sua utilização para
contribuir com a defesa técnica na
referida ação, a fim de buscar-se mitigar os prejuízos ao erário gerados
pelas ações dos ex-gestores, verbis.”
Análise da equipe de auditoria
Em sua manifestação, a Municipalidade assevera que, mesmo tendo sido as contratações firmadas em gestões anteriores à atual, irá utilizar o conteúdo deste Relatório de Auditoria para subsidiar a sua defesa técnica no processo judicial de cobrança de honorários movido por ex-advogados.
Achados nº 6 e 7
Manifestação da unidade
examinada
Não houve manifestação específica para estes itens.
Achado nº 8
Manifestação da unidade examinada
Por
meio do Ofício 115/2022, de 25.8.2022, a Prefeitura Municipal apresentou a
seguinte manifestação:
“b)
Quanto à procuração de 16.3.2016, informa que será feita a sua revogação, com a nomeação para o patrocínio dessa fase
final da execução, o Procurador Jurídico, na
forma da Recomendação PGR 01/2018. Tal medida, mais uma vez, servirá para minimizar os danos ao erário, em decorrência dos riscos de demanda judicial
posterior e pagamentos indevidos.”
Análise da equipe de auditoria
Em
sua manifestação, a Municipalidade informa que irá revogar a procuração
outorgada ao patrono H. S.
em 16.3.2016, a fim de minimizar riscos de
pagamentos indevidos.
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