Sítio do Mato/BA: Contratações de advogados e pagamentos de honorários envolvendo recursos públicos referentes aos precatórios do Fundef



QUAL FOI O TRABALHO REALIZADO PELA CGU?

Linha de Atuação: Relatório de Apuração.

POR QUE A CGU REALIZOU ESSE TRABALHO?

Este trabalho de auditoria decorreu de demanda interna da CGU. As apurações aqui realizadas se somam às análises de contratações em obras públicas no âmbito deste mesmo Município e que foram objeto dos Relatórios 201901121 e 201901139.

Unidade examinada: Prefeitura Municipal de Sítio do Mato/BA.

Escopo: Verificação da legalidade e economicidade das respectivas contratações e pagamentos de honorários.

Referencial Legal: Lei 8.666/93 e jurisprudência correlata.

QUAIS AS CONCLUSÕES ALCANÇADAS PELA CGU?

As contratações de serviços advocatícios realizadas pela Prefeitura de Sítio do Mato e atinentes aos precatórios do FUNDEF foram irregulares, com significativos prejuízos efetivos e potenciais aos recursos do Fundo.

Em 2003, a procuração aos primeiros patronos se deu sem o devido e prévio processo de contratação e sequer houve instrumento contratual. Tais patronos ingressaram com ação de cobrança de honorários, na qual pleiteiam pagamentos da ordem de R$5,1 milhões. Valores que se mostram abusivos, por se referirem a uma única ação judicial, sem complexidade e com fundamentação jurídica copiada de peça elaborada pelo MPF.

Em 2015/2016, houve duas novas contratações, irregulares e desnecessárias. Uma delas ainda se revelou extemporânea, com prejuízo de R$1,3 milhão. Já a segunda, que também não teve processo e contrato, caso não tenha revogada a respectiva procuração, pode trazer prejuízos ao Erário.

A atual gestão informou que irá utilizar este Relatório de Auditoria em sua defesa técnica na ação de cobrança e revogar a atual procuração, oriunda da última contratação irregular.


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS


ACO – Ação Cível Originária ACP – Ação Civil Pública

AGU – Advocacia-Geral da União AI – Agravo de Instrumento

CGU – Controladoria-Geral da União

Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

GT – Grupo de Trabalho

MEC – Ministério da Educação MPF – Ministério Público Federal

MPF-SP – Ministério Público Federal no Estado de São Paulo OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

PGR – Procuradoria-Geral da República RE – Recurso Extraordinário

REsp – Recurso Especial

STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça

TCM-BA – Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia TCU – Tribunal de Contas da União

TRF-1 – Tribunal Regional Federal da 1ª Região VMAA – Valor Médio Anual por Aluno


1. PRECATÓRIOS DO FUNDEF. Contextualização e histórico das diferenças de complementação do VMAA no período 1998-2006.

Esta ação de controle está inserida no âmbito das ações judiciais propostas pelos entes municipais para cobrar da União as diferenças de complementação do FUNDEF no período de 1998 a 2006, que envolvem valores da ordem de R$90 bilhões e que ficaram conhecidas como “precatórios do FUNDEF”.

A tese discutida dizia respeito às diferenças devidas pela União aos demais entes federativos em razão da fixação do Valor Médio Anual por Aluno (VMAA) inferior ao definido pela Lei de criação do Fundo.

Segundo o art. 6º, caput e §1º, da Lei nº 9.424/1996, que já foi revogada pela legislação do FUNDEB,

Art. 6º A União complementará os recursos do Fundo a que se refere o art. 1º sempre que, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.

§ 1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e I. (grifos não originais)

No entanto, após a definição legal do valor absoluto para o primeiro ano, a União passou apenas a atualizá-lo monetariamente, sem observar a regra prescrita pelo citado §1º. Com isso, a partir de 1998, o VMAA ficou menor que o devido, gerando diferenças ou mesmo ausência de repasse a título de complementação, conforme demonstrativos a seguir.




Sobre esse fato, o Ministério Público Federal no Estado de São Paulo (MPF-SP) ajuizou a Ação Civil Pública - ACP nº 1999.61.00.050616-0, em 15.10.1999, pedindo, dentre outras coisas, que a União fosse condenada a ressarcir o FUNDEF no valor correspondente a toda a diferença entre o valor mínimo definido conforme o critério do art. 6º, parágrafo 1º da Lei nº 9.424/1997 e aquele fixado ilegalmente em montante inferior, desde o ano de 1998, e por todos os anos em que persistisse a ilegalidade, acrescidos de juros legais e correção monetária.

A partir dessa iniciativa do MPF-SP, os municípios começaram a propor centenas de ações de cobrança, tanto pela via de ação de conhecimento originária, quanto, posteriormente, como cumprimento de sentença da citada ACP ou mesmo como complemento do período inicialmente alcançado pela ação originária.

A Advocacia-Geral da União (AGU), em defesa da União Federal, questionou a fixação de um VMAA nacional, alegando que a média deveria ser regional (em cada Estado ou no Distrito Federal), porquanto o FUNDEF tem natureza de fundo regional.

A questão já foi pacificada nos Tribunais Superiores. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Recurso Especial - REsp nº 1101015/BA, de 26.05.2010, tido como representativo da controvérsia, firmou o entendimento de que a fixação do valor deveria ser feita considerando a média nacional, conforme ementa transcrita a seguir.

ADMINISTRATIVO. FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO - FUNDEF. VALOR MÍNIMO ANUAL POR ALUNO - VMAA. FIXAÇÃO. CRITÉRIO: MÉDIA NACIONAL.

1. Para fins de complementação pela União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental - FUNDEF (art. 60 do ADCT, redação da EC 14/96), o "valor mínimo anual por aluno" (VMAA), de que trata o art. 6º, § 1º da Lei 9.424/96, deve ser calculado levando em conta a média nacional. Precedentes.

2. Recurso especial a que se nega provimento. Acórdão sujeito ao regime do art. 543- C do CPC e da Resolução STJ 08/08.


Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em julgamento de 09.06.2011, no âmbito do Recurso Extraordinário - RE nº 636.978 – RG/PI, que essa discussão central da forma de cálculo não tinha repercussão geral, uma vez que a matéria era de índole infraconstitucional, consolidando assim a posição do STJ.

Assim, com a condenação da União, estima-se que o valor total das diferenças de complementação seja de cerca de R$ 90 bilhões.

Nessa seara, ganha relevância o fato de os municípios terem contratado grupos de escritórios de advocacia do país com a remuneração pactuada em torno dos 20% do crédito respectivo pago pela União, o que representaria montante próximo a R$ 18 bilhões. Esses honorários, nitidamente firmados em percentuais abusivos e contrários ao interesse público, vêm sendo destacados/subtraídos dos precatórios, deixando de beneficiar milhões de estudantes brasileiros.

Esses contratos de prestação de serviços jurídicos foram firmados tanto para ações originárias (desde a fase de conhecimento) quanto para ações de cumprimento de sentença com base na mencionada ACP, transitada em julgado em 2015.

O Tribunal de Contas da União (TCU), ao enfrentar a matéria no âmbito do Acórdão nº 1.824/2017 – Plenário e respaldando-se na independência das instâncias judiciais e administrativas, firmou o entendimento de que a destinação de valores de precatórios relacionados a verbas do Fundef/Fundeb para o pagamento de honorários advocatícios é inconstitucional (art. 60, do ADCT) e ilegal (Lei nº 11.494/2007). Nesse mesmo julgado, determinou aos municípios beneficiados pela citada ACP que “não promovam pagamento de honorários advocatícios com recursos oriundos da complementação da União ao Fundef/Fundeb, bem como não celebrem contratos que contenham, de algum modo, essa obrigação”.

Nesse mesmo sentido, a Resolução do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM-BA) nº 1.346/2016, art. 1º, §2º, não admite a utilização dos recursos para pagamento de honorários.

§ 2º Em decorrência da utilização vinculada à educação, não se admite, a qualquer título, a cessão dos créditos de precatório, nem sua utilização para o pagamento de honorários advocatícios, inclusive na hipótese dos contratos celebrados para propositura e acompanhamento da ação judicial visando obter os respectivos créditos, ressalvadas decisões judiciais em contrário, transitadas em julgado.

Por seu turno, a PGR, os Ministérios Públicos de Contas e dos Estados emitiram a Recomendação Conjunta nº 01/2018, de 15.10.2018, dirigida aos Prefeitos e em relação às ações originárias ou de cumprimento de sentença, no sentido de que:


a) ABSTENHAM-SE de contratar escritório de advocacia para prestação de serviços visando ao recebimento dos valores decorrentes de diferenças do FUNDEF pela subestimação do valor mínimo anual por aluno (VMAA), previsto na Lei do FUNDEF (Lei n.º 9.424/96), por inexigibilidade de licitação, prevendo pagamento dos honorários contratuais com cláusula de risco ou vinculando o pagamento dos honorários contratuais a qualquer percentual dos recursos a serem recebidos a esse título;

b) SUSPENDAM os pagamentos a escritório de advocacia caso tenha sido contratado para tal finalidade com a consequente ANULAÇÃO da relação contratual e ASSUNÇÃO, pela Procuradoria Municipal (ou por quem execute a função) da causa, englobando a atuação extrajudicial e/ou judicial;

c) ADOTEM as medidas judiciais cabíveis para reaver os valores eventualmente pagos indevidamente a tal título.


Em 10 de outubro de 2018, a 1ª Seção do STJ fixou tese, no âmbito do Recurso Especial (REsp) nº 1703697/PE, no sentido de que os recursos financeiros da educação básica repassados a municípios a partir de decisão judicial não podem ser utilizados no pagamento de honorários advocatícios. O STJ passou a entender que as verbas do FUNDEB/FUNDEF, por terem destinação constitucional específica, não podem ser aplicadas em despesas que não sejam exclusivamente para o desenvolvimento e manutenção da educação básica.

O fato de tais verbas serem oriundas de decisão judicial não alteraria a vinculação prevista no art. 60, ADCT da CF/88. Por isso, o Colegiado entendeu “não ser possível a reserva de honorários prevista pela Lei 8.906/1994, cabendo ao advogado buscar seu crédito por outros meios”.

E evidentemente que essa vedação de destinação dos recursos do Fundo para honorários contratuais se estende para além da esfera judicial (ações originárias ou cumprimento de sentença), uma vez que a tese da vinculação dos créditos à educação opera igualmente no campo dos pagamentos administrativos.

O Plenário do STF (2017), por seu turno, já se pronunciou sobre essa vinculação exclusiva das verbas do FUNDEF recebidas retroativamente à educação, quando do julgamento das Ações Cíveis Originárias (ACOs) nº 648/BA, 660/AM, 669/SE e 700/RN.

No entanto, em recentíssimo julgamento no âmbito da ADPF 528 ocorrido em 21.3.2022, o Supremo fixou entendimento no sentido de que, ainda que as verbas pagas judicialmente mantenham sua vinculação à educação, os juros de mora não seriam alcançados por tal destinação. Isso porque, segundo a Corte, “os juros de mora legais têm natureza jurídica autônoma em relação à natureza jurídica da verba em atraso”. Assim, poderiam ser utilizados para o pagamento de honorários advocatícios.

Ainda pende discussão, todavia, acerca de se essa desvinculação da parcela de juros de mora abrangeria também os honorários contratuais decorrentes de ações de cumprimento de sentença, conforme embargos de declaração apresentados pela PGR.

Ademais, registre-se que o FUNDEF – Educação Fundamental (Lei nº 9.424/1996) foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) – Educação Básica (Lei nº 11.494/2007), tendo sido definida nova fórmula de cálculo aplicada a partir de 01.03.2007, conforme art. 44, 46 e Anexo – “Nota explicativa” do novo diploma legal.

Neste Relatório serão examinados os resultados da ação judicial proposta pelo Município de SÍTIO DO MATO/BA e as respectivas contratações e pagamentos de honorários advocatícios pela Prefeitura.

2. Considerações sobre o trâmite da ação originária e as diversas alterações de patronos do Município ao longo do processo.

A ação ordinária de cobrança nº 2003.33.00.030163-0 foi protocolada em 27.11.2003 e distribuída à 16ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia. A procuração foi outorgada pelo Prefeito (2003) aos advogados R. S. F. (OAB/BA **.***), A. M. de O. J. (OAB/BA **.***) e J. L. de O. (OAB/BA *.***).

O Município Autor requereu julgamento antecipado da lide em 17.2.2004. O Juiz pediu perícia, fixando honorários de R$400,00 em 17.2.2004. Em 6 de setembro daquele mesmo ano, o Magistrado sentencia indeferindo os pedidos formulados por não pagamento dos honorários periciais. Houve apelação.

Em 7.3.2008, a 8ª Turma do TRF-1 reforma a sentença e julga procedente o pedido, condenando a União ao pagamento das diferenças de complementação do FUNDEF e fixando em 5% os honorários sucumbenciais sobre o valor atribuído à causa. No voto, ficou consignado que os recursos deveriam ser depositados em conta específica.

Não havendo êxito no recurso especial interposto pela AGU, dá-se o trânsito em julgado em 1º.7.2010.

A liquidação da sentença se iniciou em 2011 e também tramitou na 16ª Vara da SJBA. Os cálculos apresentados englobaram todo o período de nov/1998 a fev/2007.

Foram opostos embargos de execução pela AGU (ação nº 46328-94-2012.4.01.3300), reconhecendo parte da dívida (R$22 milhões) e apontando excesso no valor de R$5 milhões (dez/2011). O Juiz deferiu a parcela incontroversa em 31.5.2013.

Foram expedidas Requisições nos seguintes valores: R$22.371.544,88 para a Prefeitura (Precatório nº 53/2013) e R$58.404,77 para cada um dos três advogados que assinaram a petição inicial (Requisições nº 54, 56 e 56/2013), totalizando R$175.214,32 a título de honorários sucumbenciais.

Em 23.4.2015, o Prefeito à época nomeia novos patronos nos autos – H. S. (OAB/BA **.***) e
P. M. (OAB/DF **.***), por meio de procuração de 10.6.2014. Os novos advogados requerem a desconsideração do último pleito feito pelos causídicos anteriores e a liberação do alvará para levantamento do precatório.

Em 27.4.2015, o Juiz decide que os recursos devem ser depositados em conta específica da educação. Em 3.9.2015, o Banco do Brasil informa que o crédito acumulado de R$23.884.286,54 foi transferido para a conta corrente 23.423-0, ag. 0744-7, de titularidade do Município.

Em dez/2015, o mesmo Prefeito revoga a procuração dada em abril e nomeia os advogados
C. C. (OAB/BA *.***), M. C. M. (OAB/BA **.***) e outros. Em 16.12.2015, tais advogados ingressam com ação querela nullitatis insanabilis, cujo objetivo era desvincular os recursos da conta FUNDEB, permitindo a aplicação de forma ampla pelo Município. Negada a pretensão pelo TRF-1, os patronos agravaram, mas em 3.3.2016 pediram a desistência da ação.


Em 15.1.2016, R$1.645.510,02 foram transferidos para a mesma conta municipal a título de precatórios complementares.

Em 15.1.2016, C. C. subestabelece com reservas os advogados I. R. (OAB/DF **.***), J. J. (OAB/DF **.***) e outros. Novo pedido de desvinculação foi feito, mas sem êxito. Foi quando os patronos agravaram (Agravo de Instrumento - AI nº 0007029-77.2016.4.01.0000) em 11.2.2016, sendo concedida a antecipação da tutela recursal em decisão monocrática do Desembargador Relator sete dias após, em 18.2.2016.

Na sequência, todos os valores foram transferidos para conta desvinculada da Prefeitura.

Vale registrar que, após a concessão da tutela recursal, o MPF ajuíza, em jun/2016, a ação civil pública nº 1229.17.2016.4.01.3315 junto à Vara Federal de Bom Jesus da Lapa/BA, requerendo a continuidade da vinculação dos recursos à educação. Na apelação à sentença que manteve a vinculação, o Município informou, inclusive, que “todo o valor recebido no referido processo já foi utilizado em proveito da população de Sitio-Matense”. Apesar disso, o Município não trouxe detalhamentos dessa alegada aplicação. Tal apelação ainda não fora julgada no Tribunal.

Nesse ínterim, ocorreu o julgamento do mérito do citado AI em 20.11.2017, no qual a 8ª Turma, apesar de reconhecer que o Acórdão de 2008 havia decidido pela vinculação, não ordena a devolução para a conta do FUNDEF, alegando que o levantamento se deu por decisão judicial (antecipação de tutela) e que isso representaria “execução sem título”. Todavia, escreve que “evidentemente, o dinheiro recebido será utilizado de acordo com a sua finalidade originária segundo as leis locais e a Constituição” e que tal utilização “está sujeita ao controle pelo TCU nos termos da Lei 11.494/2007”. Foram negados os embargos de declaração sob fundamento da irreversibilidade da decisão.

Em 16.3.2016, após a desvinculação pela antecipação de tutela, o Prefeito (2016) retorna com o patrono H. S., por meio de nova procuração outorgada nos autos. E este causídico prossegue no processo, incluindo a petição de pagamento de R$469.382,11, a título de diferença de juros de mora, em 4.6.2018. A última movimentação nos autos (em 16.5.2022) é a migração da Requisição nº 58/2021 para o Tribunal, referente a este último montante.

3. Da ação judicial de cobrança de honorários contratuais por parte dos advogados que atuaram no processo entre 2003 e 2015.

Em 24.9.2014, os advogados que patrocinaram toda a fase de conhecimento e boa parte da fase de execução (R. S., A. de O. e J. L.) ingressaram com ação de arbitramento de honorários, perante a Comarca de Bom Jesus da Lapa/Ba, registrada sob o nº 0003266-11.2014.8.05.0027.

Reconheceram a inexistência de contrato firmado com o Município de Sítio do Mato/Ba, e, por conseguinte, a falta de estipulação de honorários, daí o pleito de arbitramento judicial, com base no art. 22, §2º, da Lei 8.906/94.


Alegou-se que os valores recebidos a título de sucumbenciais (R$175.214,32 – em 2013) não excluem os contratuais e, dado o zelo, complexidade e tempo de tramitação, indicou-se que se aplicasse o parâmetro de 20% sobre o proveito econômico. Nesse sentido, foi deduzido pedido liminar requerendo a reserva de 20% do precatório expedido. Considerando o valor do precatório pago, incluindo aí o complementar, este percentual resultaria numa remuneração de mais de R$ 5 milhões.

Disseram ainda que, apesar de o valor da tabela da OAB não ser impositivo, deveria ser considerado (os 20%) e que este seria um valor comumente cobrado dos municípios, juntando, inclusive, outros contratos seus com prefeituras baianas para idênticas ações de diferenças de FUNDEF.

Citação realizada em 10.11.2014, na pessoa do prefeito à época. Em decisão de 25.11.2014, o Juiz estadual indefere a liminar.

Em 20.3.2015, é certificado que a parte ré (Município de Sítio do Mato) não contestou, fato este que resultou na decretação da revelia, embora com efeitos mitigados, por se tratar de direitos indisponíveis, na forma do art. 345, II, do CPC. Não há, até o momento, intervenção do MPE.

Em 8.1.2019, o Procurador Municipal à época junta petição, alegando, em essência, que há sérios indícios de que os Autores teriam contrato mensal (sem percentual sobre o êxito) com a Prefeitura e que a ação por eles patrocinada estaria incluída em seu objeto. Motivo pelo qual tanto não poderiam ter celebrado novo contrato específico quanto o fizeram em relação a outros municípios, exceto em Sítio do Mato/BA.

A ação ainda não foi julgada, conforme consulta de 16.5.2022.

Em relação a esta questão específica da ação de cobrança dos primeiros patronos contra o Município, os achados “4” e “5” deste Relatório podem contribuir com a defesa técnica da Prefeitura, a fim de evitar pagamentos abusivos e/ou em duplicidade com eventuais demandas de outros advogados, o que poderia resultar em prejuízos ao erário. Poderá colaborar ainda com eventual e futura atuação do Ministério Público Estadual no feito.

4. Contratação irregular de advogados em 2003. Inexistência de contrato e procedimento prévio. Não cabimento da alegação de desconhecimento da obrigatoriedade por parte dos patronos. Concorrência na prática da irregularidade.

É largamente sabido que a regra constitucional para a Administração Pública é o dever de licitar, com as ressalvas trazidas pela legislação pertinente (art. 37, XXI). A Lei nº 8.666/93, por seu turno, estabelece como tais exceções os casos de dispensa e inexigibilidade.

É, pois, por constituírem-se em exceções à regra, que a norma geral também prescreveu procedimentos mínimos obrigatórios para a operacionalização das contratações por meio dessas categorias, no tocante à sua caracterização, motivação prévia e transparência. Entre esses dispositivos (vigentes à época da contratação e prestação do serviço), destacam-se:

Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. [...]

Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente: [...]

VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade; [...]

Art. 61. Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais.

Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação [...]. (grifos não originais)

Ocorre que a outorga da procuração em 2003 aos patronos R. S., A. de O. e J. L. não foi precedida de nenhum desses procedimentos e sequer foi formalizado um termo de contrato, como mesmo admitem os causídicos em sua petição inicial na ação de cobrança (pág 5 ou pdf. 10).

Dada a ausência do devido processo de contratação, nota-se que não ocorreram os necessários atos de caracterização do objeto/serviço, motivação da escolha do prestador, justificativa do preço, pareceres técnicos e jurídicos, publicação na imprensa oficial, etc. Essa necessidade de procedimento prévio é considerada tão relevante que o Legislador ainda tipificou o seu descumprimento no art. 89 da lei nº 8.666/93, que reza:


Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. (grifos não originais)


Nessa mesma linha, o TCU, em sua Cartilha “Licitações e Contratos – 4ª edição” (pág. 620), destacou o seguinte Acórdão:


A ausência de observação das formalidades inerentes à inexigibilidade de licitação, em desacordo com o art. 26 da Lei nº 8666/1993, caracteriza grave infração à norma legal, ensejando a irregularidade das contas dos responsáveis.” (grifos não originais)
- Acórdão 2560/2009 Plenário (Sumário)

Por fim, quanto à conduta das contratados, não se mostra razoável a alegação e desconhecimento dessas normas básicas da administração pública para advogados que atuam junto a entes públicos. Os próprios autores juntaram na ação de cobrança contratos firmados com outros municípios contemporâneos ao início da prestação aqui em Sítio do Mato (anexos da Petição Inicial, pdf. 523-535). Os dados mostram, inclusive, que o patrono J. L. já atuava como procurador municipal e advogado público desde muito antes de 2003.

Na verdade, na medida em que não comunicaram ao Município da irregularidade da contratação sem procedimento prévio ou instrumento contratual em 2003, acabaram por concorrer para que esta se efetivasse.

O STJ tem jurisprudência pacífica no sentido de que “a alegação de nulidade contratual fundamentada na ausência de licitação não exime o dever de a administração pública pagar pelos serviços efetivamente prestados ou pelos prejuízos decorrentes da administração, quando comprovados, ressalvadas as hipóteses de má-fé ou de haver o contratado concorrido para a nulidade”. (grifos não originais)

Diante das evidências coletadas, observa-se que houve afronta às expressas exigências contidas nos artigos 26, 38, 61 e 62 da Lei 8.666/93 indicados acima e vigentes à época. Conclui-se também pela concorrência na prática da irregularidade por parte dos patronos, o que impacta eventual arbitramento de honorários por parte do juiz da ação de cobrança em trâmite na justiça estadual (nº 0003266-11.2014.8.05.0027).

5. Pleito abusivo de honorários advocatícios para patrocínio de uma única ação judicial (R$ 5,1 milhões). Fundamentação jurídica da petição inicial literalmente copiada da tese já formulada pelo MPF.

Considerando a fundamentação e o pedido liminar na ação de cobrança acima especificada e independentemente do valor atribuído à causa por seus Autores, estima-se que o valor sugerido de honorários seja de R$ 5,1 milhões, correspondentes a 20% sobre os valores dos precatórios pagos pela União ao município de Sítio do Mato.

Determina a Lei nº 8666/1993, em seu art. 26, parágrafo único, III, que, caso tivesse havido um processo de inexigibilidade, este deveria ser instruído com a justificativa do preço, visando resguardar o Erário contra preços superfaturados e abusivos, ainda mais por tratar-se de um procedimento sem o crivo da disputa licitatória.

Esse requisito legal da “justificativa do preço” há que ser satisfeito em seu aspecto formal e material. Não basta, portanto, que haja simplesmente uma justificativa qualquer, mas que o preço a ser estipulado/pleiteado, em seu conteúdo, seja razoável e proporcional à prestação do bem ou serviço contratado.

Observa-se, desde logo, que os mais de R$ 5 milhões cobrados pelos patronos para uma única ação judicial nem se mostra razoável nem é proporcional ao serviço executado.

Ademais, e como se detalhará a seguir, a causa de pedir da ação patrocinada pelos autores era idêntica à já formulada pelo MPF-SP, já havia decisão da Justiça Federal nesse sentido e a fundamentação jurídica da petição inicial da ação nº 2003.33.00.030163-0 foi copiada daquele Parquet.

Ao analisar as peças do processo de diferenças do FUNDEF, observa-se que o objeto da ação está circunscrito à discussão sobre a forma de cálculo do valor médio anual por aluno, contida no §1º do art. 6º da Lei nº 9.426/1994. É um debate essencialmente de direito, sobre a mera inteligência do texto legal abaixo transcrito.

§ 1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e I.

Nesse contexto, é fundamental considerar ainda que a causa de pedir desta ação originária de Sítio do Mato era idêntica à já formulada pelo MPF-SP em 1999, no âmbito da Ação Civil Pública nº 1999.61.00.050616-0.

Todo o capítulo “Fixação do Valor Mínimo em Desrespeito à Lei” (págs. 10 a 18) da petição inicial do MPF foi copiado pelos advogados, em seus parágrafos, citações, quadros e expressões, alterando-se apenas algumas poucas palavras para aparentar distinção. Frise-se que tal capítulo trata da questão central do direito discutido.

Ademais, verificou-se o ajuizamento de centenas de ações similares na Bahia, algumas delas pelos próprios advogados aqui postulantes.

À época da proposição de todas essas ações, incluindo a relativa a Sítio do Mato, já havia sido deferida a tutela antecipada da ACP promovida pelo MPF-SP, determinando à União abster- se de definir o valor mínimo anual por aluno em importância inferior àquela resultante dos critérios impostos pelo art. 6º, §1º, da Lei nº 9.424/1996. Isso demonstra que a tese jurídica, mesmo em análise preliminar, já encontrava guarida por parte do Poder Judiciário.

Além disso, o próprio MEC já havia instituído, por meio das Portarias nº 71 e 212/2003, um Grupo de Trabalho - GT “com a finalidade de estudar e apresentar, para 2003, propostas relacionadas à fixação do valor mínimo nacional por aluno/ano do FUNDEF”. Em seu Relatório Final, de 25.03.2003, o citado GT, ao comparar a metodologia de cálculo adotada pelo Ministério da Educação com àquela prevista na Lei nº 9.424/1996, assim se manifestou:


Verifica-se que entre 1998 e 2002, o valor mínimo nacional tomou como base apenas a atualização do valor de R$300,00 inicialmente fixado pela Lei de regulamentação do FUNDEF (...) a correção do valor mínimo repôs apenas o efeito da inflação no período.

Nesse período não foram adotados, na definição do valor mínimo do FUNDEF, mecanismos que guardassem vinculação com a relação das variáveis: receita do FUNDEF e nº de alunos do ensino fundamental; prevista na lei como parâmetro a ser observado.

Ou seja, reconhecia-se, desde aqui, que o VMAA apenas vinha sendo corrigido, sem considerar os parâmetros mínimos definidos na norma. Por isso mesmo, concluiu asseverando que:

A fixação do valor mínimo nacional por aluno/ano para 2003, vem sendo realizada sem a integral observância dos critérios que orientam sua definição, tanto no que diz respeito à diferenciação de valores (...), quanto no que se refere à metodologia de cálculo que recomenda a observância do valor médio nacional como limite mínimo. (grifos não originais)

E não foi só. Na verdade, desde 2002 (isto é, mais de um ano antes de os advogados terem proposto a ação do Município), o TCU já havia enfrentado a questão no âmbito do Processo TC nº 014.041/1999-5. Em sessão de 17.07.2002, o Plenário do Tribunal firmou idêntico entendimento (Decisão nº 871/2002):

8.1.3 - Antes de expirado esse prazo [§4º, art. 60, ADCT], permanecia aplicável a fórmula de cálculo do limite inferior do Valor Mínimo Anual por Aluno estabelecida no § 1° do art. 6º da Lei n° 9.424/96, que deve ser entendida como uma média nacional, correspondente à razão entre o somatório das receitas de todos os Fundos e a matrícula total do ensino fundamental público no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas. (grifos não originais)

Dessa forma, não se tem qualquer inovação ou complexidade na causa de pedir da ação patrocinada pelos causídicos a justificar o pleito de honorários contratuais em patamares tão desproporcionais e abusivos. Valores de tabela definidos pela própria OAB não são norma jurídica a vincular gestores nem muito menos Órgãos de Controle, Tribunais de Contas ou Judiciário.

Evidente que há de se valorar os anos de tramitação até a mudança da representação processual em 2015. Isso é legítimo. O que não é legítimo, todavia, é que por tais serviços referentes a uma única causa, copiada da ação anteriormente movida pelo MPF, mais de R$ 5 milhões sejam destinados a um único escritório de advocacia em prejuízo de toda a coletividade de Sítio do Mato, já tão carente de recursos públicos.

6. Irregularidade e extemporaneidade do processo de contratação de escritório de advocacia em 2015/2016. Atuação de escritório anterior sem prévio processo de contratação.

Como descrito no tópico “2” deste Relatório, em dez/2015 os advogados C. C. e M. C. ingressam no feito, mediante procuração outorgada pelo Prefeito à época (ação originária, pdf. 80 e 94). Somente em jan/2016 estes patronos substabelecem com reservas de poderes ao escritório de I. R., J. J. e outros (pdf. 97-98).

Por tal cronologia, poderia se concluir que o contrato administrativo havia sido firmado com os primeiros patronos, uma vez que efetiva e inicialmente atuaram no processo. Os causídicos
I. R. e J. J. somente passam a patrocinar o município após o substabelecimento. Não há nos autos procuração direta do Prefeito a este segundo escritório.

No entanto, instada a apresentar o respectivo processo e instrumento de contrato (Solicitações de Auditoria 03 e 04), a Prefeitura apenas enviou os documentos relativos ao segundo escritório (Inexigibilidade 004/2016 e Contrato 174/2016), justificando o seguinte:


“A banca de Dr. C. C. não manteve contrato com o município acerca dos precatórios, entretanto, se há participação a mesma deu-se por intermédio do contrato firmado com a Banca do Escritório *I. R. ADVOGADOS – Obs.: *Processo De Inexigibilidade já enviados anteriormente.”


Como se observa, esta informação não representa a realidade observada na ação judicial, denotando que a atuação dos patronos C. C. e M. C. se deu sem o prévio e devido processo de contratação e instrumento contratual.

Ademais, o processo formalizado para o segundo escritório foi iniciado em 1º.2.2016 e resultou na assinatura do contrato em 1º.4.2016, isto é, após o substabelecimento acima mencionado. Assim, pode-se concluir também que a Inexigibilidade 004/2016 foi irregular e extemporânea, porque formalizada apenas para justificar contratação pretérita, que sequer fora objeto de procuração específica.

E, conforme o art. 49, §§ 2º e 4º da Lei nº 8.666/93, vigente à época, a nulidade da inexigibilidade impõe à do contrato, operando retroativamente sobre todas as cláusulas deste Contrato nº 174/2016.

7. Prejuízo de R$1,3 milhão pela contratação desnecessária da banca de advocacia em 2015/2016. Sobreposição de contratos. Poder- dever da gestão de atribuir a causa aos escritórios de assessoria jurídica já contratados e/ou ao procurador público. Valor pago desproporcional ao serviço prestado.


Por meio do Processo de Pagamento 108, de 20.4.2016, foi pago o montante de R$1.308.061,31 ao escritório I. R. e J. J., a partir de recursos do FUNDEB.

Vale lembrar que a atuação destes patronos se deu por subestabelecimento do escritório anterior que atuou desde dez/2015.

O objeto da prestação jurídica era restrito ao pleito de desvinculação dos valores já creditados pela União à área da educação. No caso, o que houve foi a interposição de agravo de instrumento contra decisão denegatória do juiz singular. Ou seja, a ação já havia transitado em julgado e o valor principal da execução (R$23.884.286,54) já havia sido depositado na conta de titularidade do município desde 3.9.2015.

A Cláusula Primeira do Contrato 174/2016 traz expressamente que a finalidade do avença é “levantar/liberar o crédito depositado e vinculado à Execução n° 2003.33.00030163-0 / 16ª Vara-BA”.


Ocorre que tal contratação e o consequente desembolso de recursos públicos eram desnecessários e constituem-se em ato antieconômico, com prejuízos ao erário.

Isso porque a Prefeitura dispunha em 2015 de contrato de serviços jurídicos com o escritório
S. e M. Advogados Associados, CNPJ 07.655.100/0001-03, sediado no bairro do Caminho das Árvores, em Salvador/Ba. Frise-se que tal escritório fora contratado sob o requisito da notória especialização, conforme Inexigibilidade 001/2015.

O Contrato 129/2015, derivado desta Inexigibilidade, possuía objeto que incluía a atuação em ações perante a justiça federal, como previsto na sua Cláusula Primeira.

CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETO - Constitui Objeto deste contrato, a Prestação de Serviços Advocatícios na Área de Direito Administrativo Municipal, para propor ações judiciais e/ou medidas administrativas, acompanhamento de execuções fiscais, na propositura de ações ajuizadas em face da União Federal, bem como adotar as medidas administrativas e judiciais com o fito de regularizar pendências no sistema CAUC/SIAFl/CADIN, assim como procedimentos administrativos junto à Receita Federal do Brasil junto a Secretaria Municipal de Administração e Planejamento do Município de Sitio do Mato. (grifos não originais)

O que é relevante nessa questão, para além da sobreposição de objetos, é o fato de que o contrato com S. e M. previa pagamentos mensais e fixos de R$12 mil, num total de R$144.000,00 anuais, independentemente do número de processos envolvidos. Em contratos deste tipo não há pagamento adicional de honorários em razão de êxito, motivo pelo qual o Município evitaria o desembolso de R$1,3 milhão pago a I. R. e J. J. por um único recurso.

Frise-se que este último escritório somente atuou no Agravo de Instrumento - AI e, tão logo comunicada a tutela antecipada ao juiz de origem, sua participação se encerrou no processo. Em 16.3.2016, antes mesmo de assinado o próprio contrato da Prefeitura com o citado escritório, já havia sido nomeado outro patrono para dar sequência ao feito (ação originária, pdf. 101).

Como se vê, a interposição de um AI com o pleito de desvinculação de valores do FUNDEF não se constitui em serviço de natureza complexa ou incomum a justificar o afastamento do escritório mensal já contratado, gerando vultosos pagamentos adicionais e evitáveis. Ao contrário, trata-se de um pleito da rotina da advocacia. Não se pode atribuir a concessão de uma antecipação de tutela a um escritório específico, quando ainda comparado a outros patronos também contratados por notória especialização.

Ao lado da banca S. e M., a municipalidade possuía procurador jurídico nomeado em 2015, ao qual poderia ser atribuída esta demanda pontual em conjunto com aquele escritório. Não houve no parecer jurídico da Inexigibilidade 004/2016 discussão acerca da eventual impossibilidade de usar os meios mais econômicos para a Administração.

A procuração outorgada ao escritório C. C. e M. C. e a anuência à continuação do patrocínio por I. R. e J. J., portanto, oneraram indevidamente o Erário, constituindo-se em ato antieconômico e lesivo ao interesse público, dada a sua desnecessidade. A Administração Municipal tinha o poder-dever de atribuir a demanda ao escritório mensal já contratado, isoladamente ou em conjunto com o procurador jurídico nomeado.

Por fim, a despeito da irregularidade/extemporaneidade e da própria desnecessidade da contratação e apenas pelo princípio da eventualidade, o valor contratado e pago de R$1.308.061,31 é desproporcional ao serviço prestado, ainda mais considerando todas as necessidades existentes na educação básica municipal (os valores foram pagos com recursos do FUNDEB).

Ou seja, não havia qualquer discussão quanto ao direito do Município. Os valores, inclusive, já estavam depositados na conta específica da educação municipal. Não havia qualquer risco em relação ao recebimento ou seu quantum, apenas pleiteava-se a possibilidade de executar despesas fora da seara educacional.

No procedimento da Inexigibilidade 004/2016, não constava uma avaliação e ponderação do valor proposto pelo escritório. A única menção ao preço no processo é um parecer da Comissão Permanente de Licitação - CPL, de 1º.2.2016, que se limita a escrever que “o valor o qual será pago pela pretensa contratação encontra-se compatível com o praticado no mercado”, sem, contudo, apresentar qualquer dado concreto. Assim, não foi preenchido o requisito do art. 26, III, da Lei 8.666/93, que exige uma “justificativa do preço” em seu aspecto formal e material.

Ademais, os valores pactuados não se inserem no contexto de interesse privatístico ilimitadamente disponível, devendo, portanto, submeter-se a critérios de razoabilidade e proporcionalidade em relação ao serviço a ser prestado. Serviço este consistente num único de agravo de instrumento, para um pleito de desvinculação dos valores.

8. Contratação ilegal e irregular, em 2015, de serviço jurídico junto ao atual advogado que patrocina a ação judicial, mesmo após Gestor ter ciência de caso anterior. Desnecessidade da contratação. Ato antieconômico que impõe a sua revogação.

Como descrito no tópico “2”, o escritório dos advogados H. S. e P. M. ingressou no feito em 23.4.2015, por meio de procuração direta do Prefeito à época, revogando-se a procuração concedida aos patronos iniciais de 2003. A esta altura o processo já tinha transitado em julgado e estava na fase final da execução, com valor incontroverso definido.

Em 9.12.2015, o Prefeito outorga nova procuração aos patronos C. C. e M. C., revogando-se aquela concedida em abril à H. S. No entanto, após o agravo de instrumento patrocinado por
I. R. e J. J., H. S. volta aos autos em 16.3.2016, por meio de outra procuração direta do Prefeito.

Em consulta aos sistemas contábeis do Município, não foram identificados registros contratuais em relação a este advogado. E, após solicitação desta CGU para apresentar o respectivo processo de contratação e instrumento contratual, os Gestores, por meio do OF 017/2019 – PJ, responderam o seguinte:

“2) O Dr. H. S. está vinculado ao Escritório I. R. ADVOGADOS, não tendo assim, o
município nenhum vínculo contratual com o mesmo.”

Como se observa pela sequência de atos processuais e as procurações outorgadas pelo Prefeito, não faz sentido a declaração de que H. S. estaria vinculado ao contrato de I. R. Este ingressou no feito meses depois e por meio de substabelecimento de outro patrono (C. C.).

A procuração a C. C., inclusive, revogava aquela concedida a H. S. em abril/2015. E este só retorna aos autos após nova procuração do Prefeito em mar/2016.

Não há, portanto, nenhuma vinculação entre H. S. e a contratação de I. R., cujo contrato, por sinal, apenas previa a atuação restrita ao recurso para desvinculação.

Dessa forma, além da evidente inconsistência da informação prestada, está-se diante de mais um caso de contratação ilegal e irregular, dada a ausência do devido procedimento prévio e instrumento contratual. A Lei 8.666/93, vigente à época dos fatos, considera indispensável esse conjunto de atos administrativos.

Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. [...]

Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente: [...]

VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade; [...]

Art. 61. Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais.

Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação [...]. (grifos não originais)

No que tange ao processo de contratação, portanto, não ocorreram os necessários atos de caracterização do objeto/serviço, motivação da escolha do prestador, justificativa do preço, pareceres técnicos e jurídicos, publicação na imprensa oficial etc. Essa necessidade de procedimento prévio é considerada tão relevante que o Legislador ainda tipificou o seu descumprimento no art. 89 da lei nº 8.666/93, que reza:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. (grifos não originais)

Nessa mesma linha, o TCU, em sua Cartilha “Licitações e Contratos – 4ª edição” (pág. 620),
destacou o seguinte Acórdão:

“A ausência de observação das formalidades inerentes à inexigibilidade de licitação, em desacordo com o art. 26 da Lei nº 8666/1993, caracteriza grave infração à norma legal, ensejando a irregularidade das contas dos responsáveis.” (grifos não originais)
- Acórdão 2560/2009 Plenário (Sumário)

 

Importante destacar que o citado Prefeito já havia sido citado pessoalmente em 2014 na ação judicial de cobrança 0003266-11.2014.8.05.0027 (pdf. 548), movida contra o Município justamente por patronos contratados sem procedimento prévio e instrumento contratual.

Assim, mesmo cientificado formalmente no ano anterior, o Gestor adota conduta idêntica de outorgar procuração a patrono particular ao arrepio das normas administrativas vigentes, colocando o Município em risco de nova demanda por honorários contratuais indevidos, inclusive de forma duplicada em relação aos já pagos ou discutidos em juízo.

Ao lado da plena nulidade da atuação de H. S. no âmbito da ação originária 2003.33.00.030163-0, pode-se observar também a própria desnecessidade da sua contratação/nomeação. Isso porque é poder-dever da Administração atribuir as causas prioritariamente ao seu procurador municipal (em 2015 era R. E. M. – OAB/BA **.***), em conjunto com o escritório mensalista já contratado para as causas gerais da Prefeitura.

Frise-se que em 2015, o processo já havia transitado em julgado, apresentados os cálculos, bem como expedido o precatório relativo à parte incontroversa. Não haveria a partir daí qualquer ação de natureza complexa em relação ao recebimento dos valores que justificasse a contratação específica de tal particular.

Dessa forma, deve a procuração de 16.3.2016 ser revogada, nomeando-se para o patrocínio dessa fase final da execução o Procurador Jurídico e/ou a Assessoria Jurídica atualmente contratada, na forma da Recomendação PGR 01/2018 dirigida aos Prefeitos em relação às ações de diferenças de FUNDEF.

“b) SUSPENDAM os pagamentos a escritório de advocacia caso tenha sido contratado para tal finalidade com a consequente ANULAÇÃO da relação contratual e ASSUNÇÃO, pela Procuradoria Municipal (ou por quem execute a função) da causa, englobando a atuação extrajudicial e/ou judicial.”

Tal medida não só evitará os riscos de demanda judicial posterior e pagamentos indevidos, como não gerará qualquer ônus adicional ao Município.

CONCLUSÃO

 

As contratações de serviços advocatícios realizadas pela Prefeitura de Sítio do Mato/BA e atinentes aos precatórios do FUNDEF foram irregulares, com significativos prejuízos efetivos e potenciais aos recursos do Fundo.

 

Em 2003, a procuração aos primeiros patronos se deu sem o devido e prévio processo de contratação e sequer houve instrumento contratual. Tais patronos ingressaram com ação de cobrança de honorários, na qual pleiteiam pagamentos da ordem de R$5,1 milhões. Valores que se mostram abusivos, por se referirem a uma única ação judicial, sem complexidade e com fundamentação jurídica copiada de peça elaborada pelo MPF.

 

Em 2015/2016, houve duas novas contratações, irregulares e desnecessárias. Uma delas ainda se revelou extemporânea, com prejuízo de R$1,3 milhão. a segunda, que também não teve procedimento prévio de contratação e instrumento contratual, caso não tenha revogada a respectiva procuração, pode trazer prejuízos ao Erário.

 

A atual gestão informou que irá utilizar este Relatório de Auditoria em sua defesa técnica na ação de cobrança e revogar a atual procuração, oriunda da última contratação irregular.


ANEXO

I - MANIFESTAÇÃO DA UNIDADE EXAMINADA E ANÁLISE DA EQUIPE DE AUDITORIA

Achados 1, 2 e 3
Manifestação da unidade examinada

Não se aplica, pois trata-se apenas da contextualização da origem dos precatórios e dos dados das ações judiciais relativas ao Município de Sítio do Mato/BA.

 

Achados nº 4 e 5
Manifestação da unidade examinada

Por meio do Ofício 115/2022, de 25.8.2022, a Prefeitura Municipal apresentou a seguinte manifestação:

“Mesmo não tendo a atual gestão corroborado com o dano ao erário com as contratações por meio irregular citadas no referido parecer, compete à atual gestão, vez que ainda passível de mitigação, a busca pelos meios legais e hábeis de ter tais danos mitigados. É com a busca pela economicidade e mitigação do impacto que vem a municipalidade informar:

a)   quanto ao processo nº 0003266-11.2014.8.05.0027, com base nos fundamentos elencados em parecer, os quais concluem pela prática da irregularidade por parte dos referidos patronos (o que impacta eventual arbitramento de honorários por parte do Juízo na referida ação de cobrança em trâmite), serão estes remetidos à Procuradoria Municipal, de modo a serem analisados quando da sua utilização para contribuir com a defesa técnica na referida ação, a fim de buscar-se mitigar os prejuízos ao erário gerados pelas ações dos ex-gestores, verbis.”

Análise da equipe de auditoria

Em sua manifestação, a Municipalidade assevera que, mesmo tendo sido as contratações firmadas em gestões anteriores à atual, irá utilizar o conteúdo deste Relatório de Auditoria para subsidiar a sua defesa técnica no processo judicial de cobrança de honorários movido por ex-advogados. 

 

Achados nº 6 e 7
Manifestação da unidade examinada

Não houve manifestação específica para estes itens.

 

Achado 8
Manifestação da unidade examinada

Por meio do Ofício 115/2022, de 25.8.2022, a Prefeitura Municipal apresentou a seguinte manifestação:

“b) Quanto à procuração de 16.3.2016, informa que será feita a sua revogação, com a nomeação para o patrocínio dessa fase final da execução, o Procurador Jurídico, na forma da Recomendação PGR 01/2018. Tal medida, mais uma vez, servirá para minimizar os danos ao erário, em decorrência dos riscos de demanda judicial posterior e pagamentos indevidos.”

Análise da equipe de auditoria

Em sua manifestação, a Municipalidade informa que irá revogar a procuração outorgada ao patrono H. S. em 16.3.2016, a fim de minimizar riscos de pagamentos indevidos.


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